domingo, 26 de março de 2023

4 - Curtindo o 20

 Por Leda Chaves

Capítulo 4


Margarida começou a trabalhar na prefeitura, no departamento que aprovava projetos. Depois, devido ao seu perfil detalhista, foi transferida para outro departamento, onde teve a oportunidade de trabalhar com geoprocessamento, num projeto de placas com nomes de ruas. Nesse projeto, Margarida coordenava dois grupos de estagiários. Foi uma experiência diferente para ela.

Ela utilizava a mesma linha de ônibus para ir e voltar do trabalho. Era uma hora para ir e uma hora e meia para voltar para casa. Como o 20 tinha um trajeto circular, para voltar para casa, ela tomava a mesma linha de ônibus, no mesmo ponto em que descia pela manhã. Depois de certo tempo, Margarida começou a conhecer as pessoas dentro do ônibus, as usuárias fiéis daquela linha tão pitoresca. Tinha os da manhã e os da noite. De acordo com as características e o comportamento de cada um, Margarida começou a dar-lhes nomes. Era muito atenta e divertia-se, observando as companhias de viagem.

Às vezes, na hora de voltar para casa, o 20 chegava cheio e a Margarida tinha que ficar em pé. Porém, nos pontos seguintes, as pessoas iam descendo e quase sempre sobrava um lugar para a Margarida se sentar. Quando era o assento da janela, Margarida costumava tirar um cochilo abraçada à sua bolsa, vencida pelo cansaço.

A maioria das pessoas que eram usuárias do 20 eram solidárias. Margarida sentia alívio quando estava em pé e alguém se oferecia para carregar a sua bolsa. Naquele tempo, ela carregava bolsas enormes cheias de coisas. Havia sempre uma necessaire com produtos de higiene pessoal, um guarda-chuva, se era época de chuva, uma agenda, outra necessaire com chaves, trena, talão de cheques e fones de ouvido, uma bolsinha de moedas, um porta-cartões com pendrive, óculos de sol, o kit fofas, uma sacola dobrável para pequenas compras e o celular! Ufa! Quantas coisas a Margarida carregava! Depois de certo tempo, a Margarida decidiu dividir o peso e começou a usar bolsas menores e um pasta de lona preta. Ficou bem melhor porque não sentia dores nos ombros, quando não aparecia ninguém para carregar a bolsa pra ela.

O primeiro personagem que a Margarida nomeou foi a Turma da Alegria. A Turma da Alegria era um grupo de mulheres que subia no ônibus assim que ele deixava a Av. Raja Gabaglia e entrava no Bairro São Bento, por volta de sete e quarenta e cinco da manhã. Eram quatro ou cinco mulheres que estavam sempre de bom humor, falavam alto e entravam no ônibus trazendo sua alegria e entusiasmo. Quando o pequenino já estava lotado elas diziam: “Chega pra lá gente! Dá um passinho pra trás! Nós precisamos trabalhar!”

Depois que elas entravam no ônibus, seguiam animadas contando casos e fazendo comentários irônicos sobre as pessoas de seu convívio e davam boas gargalhadas. Não se importavam se os outros passageiros prestavam atenção à sua conversa. Houve um dia em que uma delas foi tecendo comentários sobre a dona da casa onde trabalhava, sobre o que a patroa tolerava e o que ela não tolerava. Comentava com ares engraçados: “Se eu fizer isso, a minha patroa fica muito brava!” e ria de tudo.

Dava gosto ver a energia delas. Cada uma descia em um ponto diferente. A última delas descia sempre no Sion. Era a que usava, com frequência, uma calça jeans cheia de rendas e bordados, que a Margarida gostava muito. Depois que a moça descia, Margarida seguia imaginando qual de seus jeans ela poderia bordar, aproveitando a boa ideia. O bom humor delas era contagiante e a Margarida carregava aquela boa energia para o seu trabalho. Chegava por volta de oito e trinta e começava bem o dia.

A Turma da Alegria e a Margarida continuaram compartilhando o 20 até quando a Margarida parou de viajar nele.

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