sexta-feira, 19 de abril de 2024

5 - Curtindo o 20

Por Leda Chaves

Capítulo 5


Num dia ensolarado, apareceu outro personagem no 20: foi um que a Margarida decidiu chamar de Pastor. Ele era um homem da terceira idade, muito falante e parecia que não se importava se alguém ouvia ou não a sua falação. Subia no ônibus também ali perto da entrada para o São Bento e ia falando até que descia lá embaixo, no Bairro Santo Antônio. Um dia aconteceu de a Margarida estar perto dele e, por isso, pôde prestar atenção ao que dizia. Eram coisas muito interessantes. Por exemplo, falava sobre o comportamento dos padres católicos, sobre a impossibilidade de se casarem. Ele era contra isso e exclamava: “Onde já se viu homem viver sem mulher? É por isso que fica acontecendo essas barbaridades de pedofilia!” E continuava a falar completamente indignado e levemente irônico. Deste assunto mudava para o da pensão alimentícia paga pelo avô ao neto: “Isso é um absurdo! Então o filho fica no bem bom e eu é que pago a conta?!” E desse assunto mudava para outro e descia do ônibus falando para quem quisesse ouvir.

Havia uma senhora sentada perto dele que fazia caras e bocas de irritação enquanto ele seguia falando. Depois que ele desceu, ela exclamou aliviada: “Ufa, eu já não aguentava mais!”. A Margarida ficou pensando nas coisas interessantes que ele tinha falado e resolveu levar adiante o “ufa” daquela senhora. Então comentou: “A senhora prestou atenção no que ele estava falando? Eram coisas muito interessantes! A questão é que nós não sabemos ouvir, só sabemos falar. Por isso é que às vezes as pessoas se sentem tão sozinhas!” A senhora refletiu por um momento, concordou e parou de reclamar do Pastor.

Margarida chegava sempre muito animada ao trabalho. Mesmo sentindo-se cansada, às vezes, não perdia o bom humor e a alegria. O projeto no qual estava trabalhando estava fluindo bem, apesar dos problemas com a equipe responsável pela produção dos mapas. Margarida teve que ser firme para resolver os problemas com os mapas. Não tinha apoio da coordenação, mas conseguiu levar o problema a bom termo. Quando a coordenação foi trocada, tudo melhorou. O trabalho fluiu melhor e Margarida conseguiu revisar todos os bairros antes que seu contrato terminasse.

Margarida estava muito feliz com os resultados que estava alcançando e sentia-se realizada. Os estagiários que ela coordenava trabalhavam muito bem. Ela conseguiu que trabalhassem como uma equipe e os resultados eram ótimos. Eles eram, em sua maioria, tranquilos e fáceis de lidar.

Durante os dois anos que trabalhou lá, Margarida enfrentou algumas dificuldades. Quando ela começou a coordenar os estagiários, a chefe de departamento levou o grupo que trabalhava no projeto para uma sala que ficava ao lado da sala de mapas. Era ampla e bem iluminada. A chefe das faxineiras conseguiu um suporte de garrafão de água para a sala e orientou que alguém do grupo deveria ir ao andar térreo para buscar o garrafão de água porque naquele momento não havia ninguém para prestar aquele serviço. Então, a Margarida fez uma lista de rodízio onde os meninos buscavam o garrafão, as meninas higienizavam o garrafão e os meninos colocavam no suporte. Funcionou bem. Quando o pessoal da sala antiga ficou sabendo, começaram a vir buscar água na sala do projeto. Margarida logo encontrou a solução e disse que quem quisesse beber água lá, teria que participar do rodízio. Eles protestaram, mas acabaram aceitando e, ao invés de participarem do rodízio, começaram a buscar água na sala dos mapas. O pessoal que trabalhava lá veio perguntar para a Margarida o que ela tinha feito para impedir aquilo e ela explicou sobre o rodízio. Lá na sala antiga, ninguém queria ter o trabalho nem de buscar o garrafão e muito menos de higienizar e colocar no suporte. A sala antiga tinha muitas pessoas, mas ninguém queria ter o trabalho. Quando alguém se mexia no sentido de buscar a água e colocar no suporte era uma das mulheres que se sentia tão indignada quanto a Margarida. Mas o garrafão era muito pesado para ela e, por isso, ela não conseguia fazer sempre. Não era justo que aquela atribuição fosse de uma só pessoa numa sala onde havia quase quinze pessoas trabalhando. Mas aquele problema não era mais da Margarida já que ela e seus estagiários haviam sido locados em outra sala.

Margarida seguia com o projeto. Quando as placas começaram a ser instaladas a repercussão foi muito positiva entre os cidadãos. Quando o prefeito descobriu que os eleitores estavam felizes deu prioridade ao projeto. Margarida tinha criado uma linha de procedimento e um código de cores para o projeto. Tudo estava funcionando muito bem quando, de repente, uma das cores das canetinhas hidrocor acabou. Margarida imediatamente solicitou novas canetinhas ao almoxarifado e a resposta que teve é que não havia verba para atender a sua solicitação. Margarida pensou:” Como um projeto prioritário não tem verba para comprar canetinhas?” A solução era ir ao gabinete do prefeito para fazer a solicitação. Ela prontificou-se a ir, mas não precisou. No dia seguinte, as canetinhas apareceram sobre sua mesa com um bilhete amistoso. Era assim, em muitos momentos, Margarida precisava ser firme na condução do projeto. Felizmente, ela estava cheia de bons propósitos e seu coração a estava guiando por aqueles caminhos tortuosos. Margarida era uma mulher criativa e encontrava solução para tudo. Era assim que ela ia enfrentando aquela etapa da sua vida.

O mesmo bom humor e alegria com os quais a Margarida encarava as viagens no 20, também faziam os outros problemas parecerem menores.

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