domingo, 21 de agosto de 2022

3 - Curtindo o 20

Por Leda Chaves

Capítulo 3


Em abril do ano seguinte, Margarida começou a procurar trabalho. Até que, em junho do mesmo ano, recebeu, de uma colega que trabalhava na prefeitura, um email sobre um Processo Seletivo Simplificado da Secretaria de Regulação Urbana da Prefeitura Municipal.

O salário não era lá essas coisas e a Margarida não se animou muito. Além do mais, ainda sentia sua cabeça tão vazia que não conseguia ler nem uma página inteira sem se cansar. Margarida ligou para a colega que se disponibilizou a ajudá-la, emprestando a ela as leis que já tinha impressas para que pudesse tirar cópias. Orientou-a sobre uma página na internet onde poderia encontrar as outras leis que faltavam. Ela precisava imprimir todas as leis citadas no edital porque a prova era com consulta.

Margarida, que tinha sido aprovada na pré-seleção, tinha decidido aceitar os conselhos da colega um dia antes da prova. Começou, então, a providenciar tudo. Foi uma correria. Mas, como era a Margarida, a história não poderia ser simples. Vocês nem imaginam o que aconteceu.

No dia da prova, o relógio não despertou e a Margarida perdeu a hora de se levantar. A prova era às nove horas da manhã, no centro da cidade, e, às oito e trinta, ela ainda estava no Buritis. “Como assim?” exclamava a Margarida, enquanto corria pela casa, preparando-se para sair. Quando o taxista chegou ela disse a ele: “Moço, eu estou desempregada, vou fazer um concurso e preciso chegar à Rua Goiás até as oito e cinquenta e cinco. Será que vai dar?” Pois não é que deu! Gente, o taxista voou Raja abaixo e parou no endereço exatamente às oito e cinquenta e cinco. Margarida mal podia acreditar! É claro que ela deu uma boa gorjeta para ele. Entrou correndo e chegou na sala da prova às nove horas em ponto. “Nuuuu!”, exclamou num misto de surpresa e alívio.

A prova começou logo em seguida e lá foi ela vencer a sua prostração mental para responder tudo. Saiu meia hora antes do término. Já não aguentava mais. Que cansaço! Foi para a casa sem esperança. Ficou imaginando que as outras pessoas que estavam lá eram melhor preparadas do que ela. Porém, qual não foi a sua surpresa quando saiu o resultado. Ela havia sido classificada no vigésimo segundo lugar. Como eram trinta vagas, significava que ela tinha conseguido a oportunidade de ser entrevistada. Não sabia se ria ou se chorava!

Quem a entrevistou foi uma funcionária que, depois, seria gerente do departamento onde a Margarida trabalhou até terminar o seu contrato. “Passei! Puxa!”, pensou surpresa a Margarida. Ela estava mesmo admirada com todos aqueles acontecimentos. Começou, então, outro corre-corre para preparar toda a documentação exigida. Conseguiu tirar todas as cópias necessárias, organizou tudo numa pasta e, aproveitando que já estava no centro da cidade, foi visitar um amigo que estava doente, lá na Pampulha.

Quando voltou para a casa naquele dia, já era noite. Descansou um pouco e foi preparar a bolsa e os documentos para levar no dia seguinte. Foi então, que deu pela falta da pasta. Ligou para o seu amigo desesperada. Ele, que estava desanimado por causa do resfriado, fez uma busca breve e disse que não tinha encontrado nada. Passados alguns minutos, Margarida ligou de novo e insistiu. Só podia ter ficado lá. Aí, vendo o desespero da amiga, ele resolveu colaborar e encontrou a pasta.

No dia seguinte, Margarida levantou-se de madrugada para ir buscar os documentos na Pampulha, do outro lado da cidade. De posse dos documentos, encaminhou-se diretamente para a Prefeitura para assumir o seu cargo. Porém, ao chegar lá, recebeu a notícia que teria que abrir uma conta num banco estipulado pela empregadora, antes de proceder à entrega dos documentos. Foi, então, ao tal banco e abriu a conta. Como o procedimento de abertura da conta foi longo, teve que deixar a entrega dos documentos à Prefeitura para o dia seguinte. Pegou um ônibus, que não era o 20, e foi para casa. Quando o ônibus entrou no seu bairro, Margarida resolveu dar uma passadinha no supermercado. Desceu, entrou no supermercado, fez compras e pegou um táxi. Chegando em casa, guardou todas as compras e preparou-se psicologicamente para começar a trabalhar, no dia seguinte. Foi dormir confiante.

Na manhã seguinte, acordou no horário planejado, preparou-se, tomou o café da manhã e procurou pela pasta com os documentos para seguir para a Prefeitura. “Gente, cadê a pasta? Onde está a pasta?”, exclamava a Margarida enquanto andava aflita pela casa. E nada de achar a pasta. Começou a se desesperar e então exclamou alto: “Para tudo!” Respirou profundamente e se perguntou: “Onde esta pasta pode ter ficado?” Aí, lembrou-se do supermercado. Ligou pra lá com a esperança de ter esquecido a pasta no carrinho, no momento de transferir as compras para o táxi. Mas qual não foi a sua tristeza quando a funcionária disse que não havia sido encontrado nada parecido lá. “E agora? Ah, devo ter esquecido a pasta no táxi! Como eu vou fazer?”, pensou.

Aí, lembrou-se que o supermercado sempre chamava táxi de um ponto conhecido, que ficava no mesmo bairro. Ligou para o ponto e explicou a situação para o moço que atendeu o telefone. Ele disse que ia ver o que podia fazer. Quinze minutos mais tarde, Margarida tornou a ligar para o ponto de táxi e outro moço atendeu. Chorou as mágoas, pediu quase implorando para ele ajudar. Ela estava desesperada. “Como ia fazer?”, pensava. Chorou. Ainda sem notícias, ligou pela terceira vez e o terceiro moço que atendeu, que já estava sabendo do problema, lhe deu uma ideia: “Liga para o supermercado e peça ao segurança para olhar o número da placa do táxi. Assim poderemos localizar o taxista.” Sem titubear, ela ligou para o supermercado e pediu ao segurança, em prantos, que olhasse a placa do táxi para ela. Chorou e explicou a ele que estava desempregada há mais de um ano e que não podia perder esse emprego de jeito nenhum. Então, ele disse: “Ligue daqui a quinze minutos.” Margarida descreveu a roupa que estava usando no dia anterior para que o segurança pudesse identificá-la no vídeo e desligou esperançosa. Quando ligou de novo, o segurança já estava com o número da placa. “Ufa!” ela exclamou. Que alegria! Margarida ligou imediatamente para o ponto do táxi, informou o número da placa e aguardou.

Felizmente, o pessoal do ponto conseguiu localizar o taxista. Ele estava em casa dormindo porque trabalhava durante a noite. Gente, ainda bem que o taxista morava na mesma regional que a Margarida. O moço, muito prestativo, tinha compreendido a importância que a pasta tinha para ela e levantou-se da cama. Foi lá no bairro da Margarida para entregar a pasta que tinha ficado no táxi dele e que, felizmente, nenhum outro passageiro havia levado consigo. Ele comentou que, como a pasta era preta, ele só a viu quando chegou em casa, após o trabalho.

Com os documentos em mãos, Margarida foi para a Prefeitura e assumiu o seu cargo. Pois é, foi assim que o 20 começou a fazer parte do dia a dia da Margarida. Para ir do bairro onde ela morava até o bairro em que se encontrava a Secretaria em que ela ia trabalhar, utilizando somente um ônibus, só pegando o 20. Apesar do percurso do 20 demorar uma hora, outras opções incluíam duas linhas e o tempo acabaria sendo o mesmo porque ela teria que descer de um ônibus e esperar para pegar outro. Além disso, ela teria que gastar mais dinheiro, pagando duas passagens. Então, decidiu-se pela linha suplementar 20.

Na época, cada motorista era dono de seu veículo e eles trabalhavam como associados. Por isso, o funcionamento era um pouco diferente do funcionamento dos ônibus tradicionais. Nessa linha suplementar, os motoristas paravam fora do ponto para os passageiros descerem e subirem, desde que a fiscalização não estivesse por perto; eles esperavam quando as pessoas iam correndo rua abaixo desesperadas ou quando as pessoas estavam no canteiro central e davam sinal, fazendo aquela cara de cachorro que caiu da mudança. O motorista era chamado carinhosamente de Motô, mesmo quando era para reclamar: “Peraí, Motô! Olha a porta, Motô! Ô Motô, vai devagar porque você não está carregando saco de batata!”

Com o passar do tempo, Margarida foi observando que existia uma comunidade no 20. A maioria das pessoas que ia sentada oferecia-se para carregar as bolsas e mochilas das pessoas que ficavam em pé, muitas vezes, apertadas como numa lata de sardinha ou como num canudo de galinhas, aqueles em que as asas das penosas ficam saindo pelas gretas das telas.

Viajar no 20 tinha o seu lado lúdico, mesmo enfrentando uma hora de viagem, muitas vezes, em pé por todo o percurso. Assim, Margarida, começou a colecionar histórias que, depois de certo tempo, resolveu que, um dia, ia dividir com os leitores do seu blog.

Sendo uma pessoa alegre e sempre sorridente, Margarida seguiu pelos anos que se sucederam transformando-se, também, num personagem do 20. Sempre muito elegante, em cima do salto, entrava no ônibus como e quando era possível. Às vezes, ela tinha que se espremer tanto que pensava que ia ficar fina como uma folha de papel. Porém, enfrentava tudo com muito bom humor e alegria.

2 comentários:

  1. Embora a gente possa imaginar a angústia que o esquecimento da pasta na casa do amigo e posteriormente no táxi tenha lhe causado, você conseguiu manter uma leveza no texto. Esses episódios me fizeram lembrar de um bem parecido que aconteceu comigo, Agora, com o distanciamento eu até dei umas risadas lendo.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada, Marta. Fico feliz quando as pessoas se divertem com as histórias que escrevo!

      Excluir

Todas as publicações deste blog pertencem à Leda Chaves Erdem.

Neste blog, todos os comentários serão moderados.