Por Leda Chaves
Capítulo 2
Então, desliguei o motor do carro e permaneci parada em frente ao supermercado. Além do letreiro, havia um poste de luz e a área estava iluminada. Fiquei lá, esperando o temporal passar para a água baixar e eu poder ir buscar o meu filho. Alguns minutos depois, um taxista parou ao meu lado e pareceu tentar falar alguma coisa comigo. Eu sabia que tinha parado num ponto de taxi mas, naquele momento, não tinha outro lugar para esperar. Eu não abri o vidro para ouvir porque a chuva estava torrencial. Imaginei que ele estava reclamando do lugar e não dei importância. Porém, no dia seguinte, comecei a considerar que, talvez, ele estivesse tentando me avisar do perigo iminente, porque eu me lembrei que, depois de parar ao meu lado, ele tinha dado ré e ido embora.
Não havia passado nem cinco minutos que o taxista tinha saído, quando caiu uma coisa enorme em cima do meu carro. Fez um barulho surdo e ficou tudo escuro. Eu pensei que era o poste porque eu estava parada ao lado de um. A princípio, comecei a gritar feito uma desesperada, mas, logo a seguir, pensei: “Gente, eu estou agindo igualzinho às mulheres dos filmes que só gritam e não fazem nada!” Pensei, então, que tinha que descer do carro. Porém, a minha mente de engenheira ponderou: “Dentro de um condutor oco (o carro) não há energia. Se a alta tensão tiver caído, eu poderei morrer eletrocutada ao descer do carro.” Entretanto, o que tinha caído em cima do carro, começou a espremer a lataria. Escutei algo estralando. Eu não via nada direito e, por isso, decidi arriscar. Se eu permanecesse lá dentro, poderia ser esmagada ou ficar presa nas ferragens. Peguei o celular e desci do carro pelo lado do passageiro. Eu estava sozinha e pensava que não tinha me machucado. Depois que cheguei em casa é que vi um hematoma enorme na coxa direita que tinha sido pressionada pelo volante do carro. Quando saí, no meio da chuvarada, comecei, novamente, a gritar. Eu me sentia meio perdida, atordoada. Não queria acreditar que aquilo estava acontecendo comigo. Porém, gritar não adiantou, não apareceu ninguém. A água, que descia pela rua, cobria os meus pés. Olhei em volta e só vi as luzes do supermercado acesas. Passei por entre os escombros da fachada e entrei. Foi aí, que a alta tensão pipocou lá fora. “Meu Deus, que risco eu corri!” exclamei dentro de mim. Dei graças a Deus por ter sobrevivido pela segunda vez, naquela noite.A minha irmã, a quem agradeço novamente, me emprestou roupas secas e nos levou para casa. Eu estava completamente atordoada e meu filho, muito assustado. Já em casa, depois de certo tempo, liguei para os bombeiros para informar o acidente e saber sobre a retirada do carro. Eles me informaram que aquela tempestade tinha varrido a cidade do começo ao fim e que eles estavam dando preferência para os acidentes com vítimas e, como eu era a vítima e estava bem, não havia previsão de quando eles iriam lá para remover a árvore para eu poder retirar o carro. Eu estava exaurida, por causa do susto. Então, esperei o dia seguinte. Aos poucos, fui relaxando e acabei dormindo por causa de um remédio que tinham me dado.
Meu cunhado, a quem eu aproveito para agradecer novamente, recolheu os meus objetos pessoais que estavam no carro e ficou lá tomando conta do carro até as duas horas da manhã, quando o dono do supermercado encarregou o seu segurança de tomar conta do local para que os carros atingidos não fossem depredados durante a noite. Eu voltei, no dia seguinte, bem cedinho, ao local do acidente, para cuidar do meu companheirinho. A perda tinha sido total. Quando desci do ônibus, o 20, já com o dia claro, foi que pude ver o tamanho da árvore que tinha caído sobre o meu uninho.
Acidente de árvore caída sobre veículo durante temporal em Belo Horizonte |
Remoção da árvore caída sobre veículo durante temporal em Belo Horizonte |
Acidente de árvore caída sobre veículo durante temporal em Belo Horizonte |
Árvore caída sobre veículo durante temporal em Belo Horizonte |
A diretora acionou o seguro da escola. Naquela época, eu não tinha o meu próprio seguro para o carro. Um mês depois do acidente, fui devidamente indenizada. A manhã seguinte ao acidente foi a última vez que eu vi o meu companheirinho: um uno 2003, quatro portas, cor prata. Lá se foi o meu amigão que nunca tinha me deixado na mão, nem mesmo naquele momento. Ele aguentou firme enquanto o peso da árvore apertava a lataria e, por isso, eu tive tempo de pensar e descer. O peso da árvore tinha continuado a esmagar o carro e, se eu tivesse ficado lá dentro, teria me machucado gravemente e, talvez até, tivesse ficado presa nas ferragens. Aproveito para reiterar meus agradecimentos ao colégio que me indenizou e, também, a todos que me ajudaram, naquele dia e após, a superar essa e todas as demais perdas que sofri naquele ano.
Pois é, 2009 foi um ano de perdas, algumas irreparáveis. Comecei perdendo o emprego, em maio daquele ano e ainda tive que brigar pelos meus direitos. O diagnóstico da doença do meu marido saiu dia três de novembro e ele faleceu por causa de um câncer de pulmão fulminante em vinte e cinco de dezembro daquele mesmo ano. Quando chegou o reveillon, eu era só um caquinho de gente. Emagreci quatro quilos durante os cinquenta dias em que o meu marido murchou como uma flor até morrer. Foi muito triste, para mim, ver a pessoa que eu amava definhar daquele jeito. Eu, que tinha aguentado firme e forte enquanto ele foi vivo, desabei depois da sua morte. Não tive a menor condição de fazer nada durante uns três meses. Ficava em casa, tentando me recuperar e seguir em frente até porque eu não tinha outra escolha. Meu filho ainda precisava de mim e a vida continuava.
Foi assim que apareceu a Margarida, pronta para viver uma etapa que seria bem diferente de tudo que eu conhecia até ali.
Que relato emocionante. Nossa! Por quantas coisas você passou, hein!
ResponderExcluirA emoção vai continuar no capítulo 3! Cadastre o seu email para ser avisada das postagens.
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