sexta-feira, 15 de maio de 2020

Esse ano eu não vi “gelincik”

Por Leda Chaves

Papoulas em ruína em Antália


Papoulas em ruínas em Antália


Camomilas 

Para quem não sabe, “gelincik”(leia-se guelindik) é o nome turco para um tipo de papoula que aparece sempre, no início da primavera, ao mesmo tempo que as margaridas, quando o tempo ainda está um pouco frio e úmido. Ao pé das oliveiras, elas irradiam beleza e alegria. As papoulas nascem, também, entre as rachaduras das pedras nas ruínas ou à beira dos caminhos, nos barrancos. É lindo de se ver. A primavera na Turquia é abundante. São tantas flores que os espirros acontecem com frequência. Porém, esse ano, espirrar está assustando e as pessoas se escondem mais.

Papoula

O vermelho da papoula é intenso, vibrante, cheio de energia. No contraste com o miolo bastante escuro, praticamente preto, a papoula sugere cuidado. Na natureza, em geral, no alto contraste de cores, está o alerta para se ter cuidado. Aqui, as papoulas são silvestres, surgindo onde querem. Ninguém cultiva papoulas em vasos. Elas nascem onde a Mãe Terra escolhe. Uma vez, num vaso que eu tinha pendurado na varanda, quando eu morava no centro da cidade, surgiu uma papoula. Foi uma surpresa muito agradável. Eu desfrutei muito daquele presente que me trouxe uma alegria inusitada.


Papoula em vaso de petúnias

Naquela época, tinha um gafanhoto que vinha nos visitar. Ele se agarrava num caule de alguma planta e ficava lá. Parecia que estava descansando ou esperando por alguma coisa. Pelas manhãs, quando eu ia ver as plantas, eu o cumprimentava. Ele nunca comeu nada na nossa varanda. Depois, sumiu.

Por enquanto, no jardim da nossa nova casa, ainda não apareceu nenhuma papoula, mas eu ainda tenho esperança de recebê-la mais uma vez. Esse ano, por causa da quarentena, não pudemos sair para passear e ver os campos cobertos de margaridas e papoulas, que pelas manhãs, à beira da estrada ou sob alguma oliveira, figueira ou outra árvore que lhes dê uma meia sombra, onde o vento sopre tranquilamente, abundam felizes, dançando a dança da alegria.

Margaridas ao pé de oliveiras

Papoulas na floresta

Esse ano eu não vi gelincik, mas vi muito mais coisas no meu jardim, nas plantas da nossa varanda, nos gatinhos que nasceram no alpendre. Tudo está viçoso e florido. Esse ano, eu estou olhando mais para mim mesma para descobrir todas as nuances da minha alma, para aprender a falar com a minha centelha divina e deixá-la guiar a minha jornada.

Amarilis



Esse ano eu não vi gelincik, mas estou aprendendo muito mais sobre meu companheiro. E também, apesar de não estar tendo contato pessoal com os meus vizinhos, estou passando a perceber com mais clareza, as suas intenções.

Esse ano, eu não vi gelincik, mas o meu discernimento está melhorando, e, por isso, também, a minha autoestima. Estou aprendendo a gostar de mim como eu realmente sou, julgando menos a mim mesma e aos outros. Ao mesmo tempo que estou aprendendo a amar-me como eu realmente sou, vou sendo capaz de amar aos outros da mesma maneira.

Esse ano, eu não vi gelincik, mas estou aprendendo tanto que está valendo a pena!

7 comentários:

  1. Nossa! Quanta beleza nessas palavras, que ultrapassa a mera descrição de variações de plantas e flores e se aproxima muito de uma poesia. Seria um a prosa-poética. Amei¹

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  2. Que lindo texto, Leda! Em meio ao caos em que a pandemia nos colocou, esse olhar para dentro de de nós mesmos tem nos revelado belas flores. E como tem valido a pena!

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    1. Obrigada, Marília! Que a sua luz continue brilhando sempre iluminando a todos à sua volta!

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  3. Que texto lindo Leda nos faz refletir tanto e olhar para lugares que talvez não olhamos antes.

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    1. Obrigada, Mel! Sinto alegria em saber que gostou! Obrigada pelo comentário.🤗

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